VARIG: UMA CAIXA PRETA PARA OS PARLAMENTARES
De: | Pedro Porfírio |
Para: | Edson Paim |
Data: | 29/11/07 20:22 |
Assunto: | VARIG: UMA CAIXA PRETA PARA OS PARLAMENTARES |
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 30 DE NOVEMBRO DE 2007
http://www.tribuna.inf.br/porfirio.asp
"O resultado da operação significou a perda de milhares de empregos de trabalhadores extremamente qualificados; e a perda de milhares de aposentadorias para poupadores do Aerus e de pensões para seus milhares de beneficiados, todos em idade já avançada"
Comandante Paulo Calazans, em carta à Comissão de Trabalho da Câmara Federal.
A ausência dos representantes da Varig à audiência da Comissão do Trabalho da Câmara Federal, realizada na última quarta-feira, pode ser entendida como de desafio com que a empresa concessionária não se sente obrigada a um diálogo com os parlamentares, aos quais nega o conhecimento de suas decisões, protegidas por uma verdadeira caixa preta.
Está provado de que atravessamos uma das maiores crises no transporte aéreo do país, cujo referencial central foi o melancólico desfecho da crise da Varig, vendida em leilão para testas de ferro de um fundo abutre dos Estados Unidos, aliás o único arrematador, que, meses depois, a repassaram como um negócio da China para uma companhia brasileira.
Isso tudo aconteceu em meio a uma grande tragédia que tende a se refletir sobre toda a nossa outrora pujante atividade aérea. Essa tragédia abarcou todos os campos da maldade típica de uma sociedade dominada pela ideologia do lucro a qualquer preço.
De um lado, repercutiu na insuficiência generalizada de ofertas e condições técnicas de operação, fazendo de cada vôo uma grande incógnita.
De outro, produziu o mais perverso massacre já imposto a uma corporação, atingindo de uma só cajadada o pessoal da ativa e os beneficiários do seu fundo de pensão, hoje em clima de liquidação, apesar do crédito de que dispõe a patrocinadora junto ao governo federal.
Quem ganha com a crise
A iniciativa da Câmara Federal de retomar a discussão sobre os direitos do pessoal demitido, que implicaria fatalmente no conhecimento do infortúnio dos dependentes do Aerus, seu fundo de pensão e até mesmo da pendência jurídica sobre os créditos judiciais da empresa no caso da defasagem tributária, foi um passo importante, que resultou frustrado e demonstra que há muito mais de ardiloso nesse longo e tenebroso capítulo que envergonha a todos.
Enquanto permanece acesa a fogueira em que são sacrificados quase dez mil brasileiros, os nossos céus vão sendo ocupados sorrateiramente pelas companhias estrangeiras, justo num momento em que os brasileiros mais viajam para o exterior: só em outubro, nossos turistas gastaram lá fora 915 milhões de dólares. Considerando os gastos dos turistas estrangeiros entre nós - que somaram 436 milhões de dólares - temos aí um pano de fundo que revela quem se beneficia com a nossa crise aérea.
Os números das nossas perdas no transporte aéreo internacional foram revelados em matéria no jornal VALOR ECONÔMICO do último dia 21: A derrocada da Varig e a investida de companhias estrangeiras no Brasil fizeram explodir o déficit do país com as transações de passagens aéreas internacionais, chegando a valores anuais na casa de US$ 1,7 bilhão.
A perda de divisas na aviação equivale a um quarto dos pagamentos líquidos de juros da dívida externa pública e privada previstos para 2008.
Nos últimos quatro anos, o déficit na conta de passagens aéreas do balanço de pagamentos se multiplicou por quatro, conforme mostram dados do Banco Central. Nesses números, estão os bilhetes aéreos vendidos por empresas brasileiras a estrangeiros (que representam uma entrada de divisas) e as passagens vendidas por companhias estrangeiras a passageiros brasileiros (saída de divisas).
Tradicionalmente, as aéreas estrangeiras sempre tomaram uma fatia relevante do mercado brasileiro. Na avaliação do BC, porém, a quebra da Varig abriu mais espaço para as concorrentes estrangeiras, que nos últimos 12 meses encerrados em setembro venderam US$ 2,117 Bilhões em passagens aos brasileiros - quase o dobro de 2005.
Direitos depenados
Na audiência da Câmara Federal, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, juiz Cláudio José Montesso, pediu a revisão da chamada Lei de Recuperação das Empresas (11.101/05), com base na qual houve uma espécie de "reforma trabalhista" pontual, uma vez que os direitos dos trabalhadores foram virtualmente depenados, com sua sujeição ao suposto plano de recuperação.
O uso dessa lei, que agora vai ser invocada também pela BRA, outra companhia aérea paralisada, mostrou que ela se presta muito mais a um biombo que exonera a empresa de seus deveres com o pessoal.
No caso, o grupo que arrematou a Varig no leilão apenas "limpou a área" (e cobrou caro por isso) para que a nova detentora da empresa a assumisse a salvo da obrigatória sucessão trabalhista.
Numa bem sustentada carta à Comissão de Trabalho da Câmara Federal, o comandante Paulo Calazans, que também fez curso de direito e está hoje trabalhando como outros 450 colegas da empresa fora do Brasil, fez um relato bastante claro do que chamou de "varigate", concluindo:
"O que se salvou foi o "logotipo" Varig. O seu bem maior, seus trabalhadores e sua inteligência (empresa=capital + trabalhadores + know-how), perderam-se. As poupanças dos aposentados e empregados da ativa se foram. A força intrínseca da expressão empresarial da companhia esvaiu-se (ou alguém hoje fala da Varig como outrora se fazia?). Seus credores, em sua grande maioria, ficaram a ver navios. Seus prédios e instalações históricos não mais lhe pertencem. Suas rotas internacionais foram reduzidas a um punhado.
E o que é pior, seus pilotos e comissários, aos milhares, foram exilados, no maior e mais lamentável êxodo de profissionais qualificados já visto no País. Sabem que seus créditos trabalhistas dependerão de anos a fio dentro dos labirintos das cortes superiores para se materializarem em sustento. Suas famílias, assim, foram arrancadas da pátria para adaptação forçada em países de cultura, história e religião distinta. Estes, os mais afortunados. Os menos, um grande número, já nos idos dos 40 ou 50 anos de idade, começando tudo do nada, em outros setores da economia. Ou ainda, como boa parte dos já aposentados, submetendo-se ao vexame da renda do INSS, ou vivendo da boa-vontade de amigos e parentes.
Para os que quiseram continuar trabalhando na aviação do País, a submissão a regimes de trabalho em condições extremamente piores, sobretudo no atinente aos salários, hoje assaz reduzidos".
GÁS
A audiência pública sobre a crise do gás é hoje, às 9h, doa 30, no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
coluna@pedroporfirio.com